A busca pelo padrão de beleza
A beleza nunca deixou de ser almejada pelo ser humano. Muitos fatores influenciam no conceito do padrão mundial de beleza, que ao longo do tempo sofreu muitas alterações. Durante as décadas de 40 e 50 o “padrão de beleza” eram as mulheres com curvas sinuosas, cinturinhas finas e quadris enormes. Foi a partir da década de 60 que a magreza passou a ser o padrão, quando surgiu a magérrima modelo Twiggy. Para manter o corpo ideal, era preciso muita dieta e exercícios físicos, como pregavam as revistas femininas da época, o que não difere das revistas atuais. Segundo o filósofo e matemático Blaise Pascal “a própria moda e os países determinam aquilo a que se chama de beleza”. Já que a moda determina o que é belo, será que a moda influencia na busca descontrolada pela beleza? Isto é, o aumento das doenças psiquiátricas como a anorexia e bulimia, tem a ver com a beleza padrão? De acordo com o psiquiatra Moacir Toledo, não há pesquisa que indique que a beleza padrão influencie na existência desses distúrbios alimentares, entretanto, a pessoa que tem esses transtornos está insatisfeita com seu corpo, adoecendo por causa da busca pela beleza.
Tanto a anorexia como a bulimia se caracterizam pela perda de peso auto-induzida, através da abstenção de alimentos que engordam, ou por comportamento de vômitos, exercícios físicos exagerados e usos de diuréticos e laxantes. A anorexia, conhecida como “ana” para os que têm a doença, é um transtorno alimentar em que a pessoa tem aversão à comida e geralmente está muito abaixo de seu peso. O anoréxico tem uma auto imagem corporal distorcida em sua mente. Ele é magro e por mais que nunca esteve acima do peso, se sente gordo. Já a bulimia, conhecida como “mia”, a pessoa tem sobrepeso ou já foi obesa e briga para alcançar a magreza ou se manter magra. O bulímico tem compulsões alimentares e aprende métodos para a indução do vômito. É o caso de J. P. S.(nome fictício), 24, bulímico há 10 anos. A seguir, ele relata seu sofrimento por ser vítima desse distúrbio:
Eu sempre tive um corpo com excesso de peso, tanto que as minhas roupas eram confeccionadas sob medida. Com 12 anos eu já atingia os 90 kg. Não é de hoje que todas as pessoas com sobrepeso sofrem preconceito, muitas vezes a nível de se torturarem psicologicamente e de se abnegarem socialmente, como eu fiz. Eu já sofri muito com preconceito e hoje vejo que fui fraco. Mas, em tempos remotos, parecia um sufoco viver. Sentia apenas vontade de sumir, morrer ou sei lá! Em 2000 eu já estava com obesidade mórbida, tinha 102 kg, com aproximadamente 1,71 de altura e 15 anos de idade. Neste mesmo ano ingressei num colégio em regime semi-internato. Lá desenvolvíamos atividades onde precisávamos trocar de roupas e tomar banho no mesmo ambiente. Imagine, diante de corpos “sarados” e magros, como ficava a minha auto-estima? Sentia calafrios quando ia ao vestiário, justamente pela vergonha de meu corpo.
Certa vez, senti um desejo estranho e fiz um prato totalmente fora do comum: pipoca, com cobertura de três molhos e rodelas de pepino em conserva. Resultado: intoxicação alimentar com vômitos, febre e diarréia. Nesta semana de mal-estar eliminei 5 kg “facilmente”. Após alguns dias assisti a um programa popular que relatou casos de modelos que provocavam vômitos com palitos de picolé para emagrecer ou manter seus preciosos quilos. Então, eu descobri que o remédio para meu emagrecimento, depois de milhares de tentativas com terapias e tratamentos inválidos, era expelir tudo o que comia. Em suma, a falta de opções quanto a vestuários, o preconceito e a estética criticada pelos demais e por mim mesmo fizeram com que a minha doença iniciasse. Além disso, o fato de eu ser homossexual me faz ser ainda mais vaidoso.
Lidar cotidianamente com isso não é fácil. É como ver vários personagens seus em um único espelho. Um exemplo é a minha imagem em fotografias, onde comprovo que os ossos estão ressaltados, a pele pálida, os dentes desgastados e amarelados e os olhos fundos, sempre com aparência de cansado. Mas quando me deparo com a imagem refletida em tempo real no espelho, percebo que estou fora do padrão que desejo. Não estou e nem sou feliz. Não quero engordar, mas não quero deixar de comer. Quando eu como é até não conseguir mais respirar, até passar mal. E mesmo assim, eu não consigo parar de comer. É como se eu precisasse comer tudo antes que a comida acabe. Por isso, eu como tudo muito rápido, porém, depois vem o peso na consciência. Eu penso que não posso voltar a ser como era antes: gordo e fora do padrão. Então, eu vomito. Digamos que estou cometendo um suicídio, mas de maneira lenta.
Sei que o término dessa novela é a morte do protagonista. O meu maior medo é de deixar as pessoas que amo com a dor no peito de me ver partir. Medo de ser derrotado pela busca de uma beleza que se quer existe, um padrão exuberante elaborado e promulgado pela mídia sempre para fins comerciais e não para a promoção da saúde. Enfim, tenho medo de ter jogado com a vida, de ter perdido tudo em nome de algo irreal, um mundo totalmente abstrato e sem alegrias.
Anorexia
Ao contrário do bulímico, o anoréxico “foge” da comida. De acordo com a nutricionista Ana Carolina Godoy Corradini, uma das características de uma pessoa com anorexia nervosa é a contagem absurda de calorias. Por isso, o alimento mais consumido por elas é a maçã, por conter um valor calórico muito baixo. “Os pacientes com anorexia sabem mais sobre calorias do que eu. Eles ingerem pouquíssimas calorias diariamente”, afirma. Caracteristicamente o peso de uma pessoa com anorexia é abaixo de 15% do esperado. Além de perder peso, ela perde músculos, causando atrofia muscular. A falta de nutrientes no organismo faz com que a pele fique ressecada e os cabelos comecem a cair. Para Ana Carolina, há uma cobrança muito grande da sociedade pela beleza e ela percebe durante as consultas que os seus pacientes se sentem cobrados.
Conforme a psicóloga Marilda Mercedes, responsável por um projeto que prevê a formação de um grupo de terapia para pessoas com distúrbios alimentares, existe um fator interno que pode ter resultado na relação entre mãe e filho durante a amamentação. “Nós psicólogos costumamos dizer que mais vale uma mamadeira quente do que um peito frio, quando queremos nos referir que a mãe passa todos os seus sentimentos para o filho na hora de amamentar”, explica. Ainda assim, ela acredita que a questão dos valores culturais vigentes e dominantes com certeza são culpados. “O padrão de beleza está institucionalizado como adequado. Além disso, existe uma banalização das diferenças, que as pessoas tem estruturas diferentes, que o DNA já prevê como seremos. Assim como existem flores e frutas diferentes, existem pessoas diferentes”, enfatiza.
Na maioria das vezes o anoréxico e o bulímico não tem iniciativa para começar o tratamento. Eles precisam de alguém para tomar as decisões em nome deles. Segundo Marilda, quando os pacientes pedem ajuda aos profissionais é porque já se encontram debilitados. Durante o tratamento o apoio dos familiares e dos amigos é muito importante. Porém, é preciso ficar atento para não “passar a mão na cabeça”, mas também não repreender. Os pais precisam agir de uma maneira compreensiva e não com reprovação.
A ajuda de psiquiatra e psicólogo é fundamental para o tratamento. Esses profissionais ajudam a mudar o comportamento psicológico que a pessoa estabeleceu para si. No entanto, há um preconceito muito grande quando se fala em doença psiquiátrica. Marilda conta que os pais muitas vezes não percebem a mudança de comportamento dos filhos e a primeira reação é de rejeição. Ela alerta que esses distúrbios são perigosos e precisam de tratamentos psiquiátricos, pois podem levar a morte.
Em 90% dos casos, as vítimas desses transtornos alimentares são mulheres e adolescentes entre 12 e 20 anos. Conforme Marilda, nas cidades industrializadas, onde a imagem da mulher está associada ao quanto ela é atraente, são mais comuns casos dessas doenças. Esses distúrbios não ocorrem apenas no mundo da moda, apesar de ser mais evidenciado nesse meio. É importante frisar que qualquer pessoa pode ser vítima de distúrbio alimentar, ainda mais quando o assunto em evidência é a beleza. Tudo que envolve a beleza está chegando aos extremos. Algumas mulheres fazem várias cirurgias plásticas para tentar chegar ao resultado desejado. Estar dentro da beleza padrão ditada pela sociedade é o desejo não só das mulheres, mas também de muitos homens. O problema é que a beleza é muito relativa. Hoje, a Garota de Ipanema talvez já não seria mais a musa de inspiração dos poetas e compositores. Hoje a Garota de Ipanema, quem sabe teria o corpo da Gisele Bündchen. E no futuro, como será a musa inspiradora? Não é o tempo que dita os padrões de beleza, são as próprias pessoas. Não é o padrão de beleza que cria os transtornos alimentares, é o ser humano.